O papel do Lítio no cenário mundial dos carros elétricos

O lítio (Li) é um elemento pertencente à família dos metais alcalinos e, sob condições normais de temperatura e pressão, é o mais leve dos metais. Ele não ocorre no seu estado nativo na natureza dada a sua reatividade química e, por isso, é encontrado na forma de um mineral ou como um sal estável. O metal pode ser isolado através da técnica de eletrólise do cloreto de lítio fundido.

O seu elevado calor específico, o maior de todos os sólidos, o torna muito rentável. Ele é aplicado em operações de transferência de calor e, dado o seu elevado potencial eletroquímico, é aplicado como um anodo adequado para as baterias elétricas.
O lítio encontra-se bastante distribuído e é muito pouco abundante na crosta terrestre, da ordem de 0,004% (BRAGA e FRANÇA, 2013). No Brasil, as principais reservas lavráveis no Brasil se localizam em Minas Gerais, porém no Ceará há ocorrências de minerais que contêm o metal.

Diante dos avanços tecnológicos das últimas décadas, é relevante citar a tecnologia envolvida em carros elétricos, haja visto sua presença no cenário mundial como um paradigma frente ao modelo de consumo energético de combustíveis fósseis atualmente em uso (YERGIN, 2012). Ao serem levados em consideração fatores como condução autônoma e o compartilhamento, este tipo de automóvel passa a ser considerado uma alternativa potencial para os fabricantes de automóveis em um futuro próximo. Além disso, fatores ambientais no tocante à emissão zero de gases de efeito estufa são atrativos para uma nova ideologia de sustentabilidade econômica e ambiental (IEA, 2016).

É importante ressaltar que, em carros elétricos, o maior influenciador no rendimento e performance do carro é a densidade em kWh e isso não está relacionado com o motor elétrico a bordo, mas com o pacote de baterias que o carro transporta (STEINHILBER et al., 2013). Portanto, as baterias possuem um papel chave na mobilidade elétrica por serem o elemento mais importante e de maior custo na cadeia de valor dos veículos elétricos (BERMUDEZ-RODRIGUEZ, T. & CONSONI, F. L., 2020). O desenvolvimento em PD&I torna-se necessário não só para desenvolvimento de bateriais, assim como para identificar a melhor forma de destinar a bateria no final de sua vida útil, já que ainda não existe uma clara compreensão do melhor destino para essas baterias: reuso, já que esta preserva no mínimo metade da sua carga de energia, o que possui potencial de ser empregada em usos estacionários, por exemplo, gerando energia para iluminação, ou reciclagem (CASTRO, C. P. e CONSONI, F. L., 2020).

Atualmente, são poucas as empresas que pesquisam a recuperação das baterias de lítio utilizadas. Cada fabricante, seja de carros ou baterias, investe seus esforços na pesquisa de tecnologias e processos químicos distintos no intuito de obter maior rendimento das células (ANDERSON & ANDERSON, 2010; HANNAN et al., 2014).

De acordo com a Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, a busca por fontes de lítio no planeta se correlaciona com o aumento de seu consumo, cada vez mais presente em equipamentos eletrônicos diversos, como aparelhos celulares. Projeta-se a elevação de consumo desta matéria-prima em ordem de grandeza quatro vezes superior à atual. Atrelado ao crescimento elevado do uso de cobalto, que também é insumo importante para a produção de baterias, são sinais do advento desta tecnologia. No Brasil, há fontes de lítio localizadas no estado de Minas Gerais, sendo principal fator estratégico para este novo cenário. As maiores reservas de lítio mundiais se localizam na Bolívia, sendo também chamado agora de “petróleo branco”. O banco Goldman Sachs o chama de “nova gasolina”. Em conjunto com a Argentina e Chile, as reservas dos três países totalizam 60% das reservas mundiais de lítio conhecidas. Especificamente no caso do cobalto, entre 50% e 60% das reservas mundiais estão no Congo. Em 2015, de acordo com a consultoria Roskill, US$ 2 bilhões foram consumidos nestes minerais. (VALOR, 2018).

A Resolução CONAMA 401, de 04/11/2008, estabelece os limites máximos de chumbo, cádmio e mercúrio para pilhas e baterias comercializadas no território nacional e os critérios e padrões para o seu gerenciamento ambientalmente adequado, e deve ser usada como referência para qualquer tipo de logística reversa (BRASIL, 2008). Destaca-se que o processo de reciclagem das baterias ainda tem desafios, dentre os quais se destacam a necessidade de técnicas mais eficientes, a ausência de padronização na composição química das baterias e a diversidade dos componentes nelas presentes, por causarem danos à natureza e à saúde pública se forem descartados de forma incorreta. Porém, os metais usados para a fabricação das baterias, como o lítio, o cobalto e o níquel, possuem ampla capacidade de serem reciclados, o que permite sua reintrodução na cadeia produtiva como insumos para a fabricação de novas baterias.

Vale lembrar que por mais que a reciclagem das baterias de carros elétricos ainda enfrente dificuldades, uma coisa é certa: seus componentes terão uma destinação apropriada. A reciclagem possui papel fundamental para o desenvolvimento de uma cadeia de valor ambientalmente e economicamente sustentável para a mobilidade elétrica. Graças a ela, as empresas podem reduzir os seus custos de produção e, por conseguinte, preservar o meio ambiente. Deste modo, espera-se, nos próximos anos, uma maior difusão do processo de reciclagem das baterias dos veículos elétricos.

O lítio é amplamente utilizado como insumo na cadeia produtiva de baterias de equipamentos eletrônicos indo de laptops a celulares, todavia sua aplicação em carros elétricos induz ao crescimento gradativo da demanda por este elemento, levando-se em consideração a necessidade de baterias maiores do que as encontradas nos equipamentos citados anteriormente, podendo ocasionar consequências ambientais futuras ainda imprevisíveis, pois nunca o minério foi tão explorado – e será ainda mais (HANNAN et al., 2014). Além do impacto ambiental positivo advindo da descarbonização com o aumento do uso de veículos elétricos é importante também desenvolver estratégias ambientais em todo ciclo de vida da produção de baterías de lítio, uma vez que a produção de baterias de íons de lítio requer a extração e refinação de metais de terras raras, e consome muita energia devido ao alto calor e às condições estéreis envolvidas. Soma-se que, a maior parte das baterias de íons de lítio empregada em veículos elétricos são produzidas no Japão e na Coréia do Sul, onde aproximadamente 25% a 40% da geração de eletricidade depende do carvão (CASTRO, C. P. e CONSONI, F. L., 2020).

Por conseguinte, é necessário ainda muito investimento em PD&I para que os veículos elétricos se tornem uma opção sustentável em todo seu ciclo de vida e o papel do químico se torna fundamental nesse desenvolvimento, ao passo que pode contribuir não só no desenvolvimento das baterias de lítio como também nas rotas tecnológicas para o reaproveitamento no final de sua vida útil, seja por reuso ou reciclagem, propiciando, assim, a circularidade dos materiais.

Referências Bibliográficas:
ANDERSON, C. D.; ANDERSON, J. Electric and hybrid cars: A history. McFarland, 2010.

BERMUDEZ-RODRIGUEZ, T.; CONSONI, F. L. Uma abordagem da dinâmica do desenvolvimento científico e tecnológico das baterias lítio-íon para veículos elétricos, Rev. Bras. Inov., 19, 2020.
BRAGA P.F.A. & FRANÇA S.C.A., Lítio: um mineral estratégico. Rio de Janeiro, CETEM/MCTI, Série Estudos e Documentos, 81. 41p, 2013.

BRASIL. CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, 2008. Resolução CONAMA n° 401 de 04/11/2008. Estabelece os limites máximos de chumbo, cádmio e mercúrio para pilhas e baterias comercializadas no território nacional e os critérios e padrões para o seu gerenciamento ambientalmente adequado, e dá outras providências, Brasil.

BURKE, A.; ZHAO, H. Energy Saving and Cost Projections for Advanced Hybrid, Battery Electric, and Fuel Cell Vehicles in 2015-2030. 2012.

CASTRO, C. P.; CONSONI, F. L. Diagnóstico dos Cenários de Manejo Ambiental do Uso e Disposição Final de Baterias de Lítio de Veículos Elétricos, E-Locução, v. 1 n. 17, 2020. Disponível em: https://periodicos.faex.edu.br/index.php/e-Locucao/article/view/252

HANNAN, M. A.; AZIDIN, F. A.; MOHAMED, A. Hybrid electric vehicles and their challenges: a review. renewable and sustainable energy reviews, 29: 135–150; 2014.

INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). Hybrid and Electric Vehicle Implementing Agreement: How EV’s Work, 2016.
STEINHILBER, S.; WELLS, P.; THANKAPPAN, S. Socio-technical inertia: Understanding the barriers to electric vehicles. Energy Policy, volume 60, p. 531- 539, 2013.

VALOR. Carro elétrico intensifica busca por lítio e cobalto entre as montadoras. 2018. Disponível em: <https://www.valor.com.br/empresas/5532257/carro-eletrico-intensifica-busca-por-litio-e-cobalto-entre-montadoras>.

YERGIN, D. O petróleo. Uma história de conquistas, poder e dinheiro. São Paulo: Editora Paz e Terra. 2012.