A importância da Química Verde na Economia Circular

O modelo econômico linear (extrair, produzir, descartar) utilizado em nossa sociedade é baseado na extração crescente de recursos naturais que nos levou a uma situação de sobrecarga, na qual a demanda supera a oferta, acarretando muitos problemas, como as mudanças climáticas, a pobreza, a fome, a dificuldade de acesso à água potável, o saneamento, entre outros.

Segundo o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), anualmente 90 bilhões de toneladas de recursos são extraídos, sendo 75%  dessa quantidade de recursos baseados em combustíveis fósseis (WEETMAN, 2019). A tendência é o aumento acelerado de extração e crescimento de mais de 20% até 2030.

Por outro lado, a economia circular é um modelo, por princípio, de economia regenerativa e restaurativa. Seu objetivo é manter produtos, componentes e materiais em seu mais alto nível de utilidade e valor pelo maior tempo possível. Sua característica é uma gama de oportunidades práticas e escaláveis, avançando em direção a modelos de negócios regenerativos e os mais livres possíveis de desperdício. As estratégias incluem medidas para reduzir o uso de matérias primas virgens, melhorar o uso dos ativos existentes e reduzir a produção de resíduos (CNI, 2018).

Diferentemente da prática de reciclagem, a economia circular enfatiza, entre outros aspectos, a utilização de resíduos como forma de fechar o ciclo e minimizar o uso de recursos. Quando o produto chega ao fim de sua função, a reutilização e a reciclagem proporcionam uma oportunidade de prolongar ainda mais a utilidade de suas partes constituintes. Enquanto isso, o valor inerente do material incorporado no produto é estendido em vez de desperdiçado. Um dos maiores desafios desta estratégia, por exemplo, é a necessidade de transformar os resíduos de baixo valor econômico em produtos de alto valor, e desenvolver um processo globalmente menos dispendioso do que o recurso fóssil virgem correspondente. (CHATEL, 2020).

A Química Verde (QV) é considerada uma capacitadora da economia circular por auxiliar na melhora da escolha do material ou por ajudar no desenvolvimento de subprodutos e foi definida pela primeira vez em 1991 por John Warner e Paul Anastas, membros da agência ambiental norte-americana Environmental Protection Agency (EPA). Na época, eles definiram esse novo ramo da química como sendo um “conjunto de princípios que reduzem ou eliminam o uso ou a geração de substâncias perigosas durante o planejamento, manufatura e aplicação de produtos químicos”.

Os 12 (doze) Princípios que regem a química verde são (FARIAS; FÁVARO, 2011):

  1. Prevenção: É melhor prevenir a formação de resíduos do que tratá-los posteriormente.
  2. Economia atômica: Os métodos sintéticos devem ser desenvolvidos para maximizar a incorporação dos átomos dos reagentes nos produtos finais desejados.
  3. Sínteses com reagentes de menor toxicidade: Sempre que possível, metodologias sintéticas devem ser projetadas para usar e gerar substâncias que possuam pouca ou nenhuma toxicidade para a saúde humana e o meio ambiente
  4. Desenvolvimento de compostos seguros: Os produtos químicos deverão ser desenvolvidos para possuírem a função desejada, apresentando a menor toxicidade possível.
  5. Diminuição de solventes e auxiliares: A utilização de substâncias auxiliares (solventes, agentes de separação, etc) deverá ser evitada quando possível, ou usadas substâncias inócuas no processo.
  6. Eficiência energética: Os métodos sintéticos deverão ser conduzidos sempre que possível à pressão e temperatura ambientes, diminuindo seu impacto econômico e ambiental.
  7. Uso de matéria-prima renovável: sempre que possível técnica e economicamente utilizar matéria-prima renovável.
  8. Redução do uso de derivados: Uso de reagentes bloqueadores, de proteção ou desproteção, e modificadores temporários que deverão ser minimizados ou evitados quando possível, pois estes passos reacionais requerem reagentes adicionais e, consequentemente, podem produzir subprodutos indesejáveis.
  9. Catálise: Reagentes Catalíticos (tão seletivos quanto possível) são superiores aos reagentes estequiométricos.
  10. Desenvolvimento de compostos degradáveis: Produtos químicos deverão ser desenvolvidos para a degradação inócua de produtos tóxicos, não persistindo no ambiente.
  11. Análise em tempo real para a prevenção da poluição: As metodologias analíticas precisam ser desenvolvidas para permitirem o monitoramento do processo em tempo real, para controlar a formação de compostos tóxicos.
  12. Química segura para prevenção de acidentes: As substâncias usadas nos processos químicos deverão ser escolhidas para minimizarem acidentes em potencial, tais como explosões e incêndios.

A pesquisa em Química Verde tem evoluido rapidamente, notadamente nos últimos anos, em razão das empresas necessitarem adequar seus negócios, visando reduzir ou eliminar os impactos negativos dos produtos e processos químicos sobre o ambiente natural e à saúde humana.

Além de limitar as substâncias químicas perigosas no ciclo de materiais de forma de proteger a saúde humana e o meio ambiente, a química verde pode ser uma oportunidade para a reutilização futura de materiais e, então, para a melhoria da economia circular (SILVESTRI et al., 2021). Através da química, a economia circular pode fornecer a base de produtos inovadores, feitos a partir de matérias-primas renováveis e projetados para serem reutilizados, reciclados ou a matéria-prima renovada através de processos naturais.

Um exemplo atual relevante neste sentido é a cadeia de valor da embalagem plástica. Na economia linear, são utilizados 98% de matéria-prima finita enquanto recicla apenas um cerca de 5% de material de embalagem plástica. Esta economia depende de recursos não renováveis de petróleo, consumindo cerca de 6% da produção mundial de petróleo como material de alimentação e no processo de fabricação. É preciso notar que os atuais gases de plástico têm efeitos pós-uso significativos:

  1. Degradação dos ecossistemas naturais, especialmente dos oceanos, como resultado de vazamentos, emissão de gases de efeito estufa resultantes da incineração (KAUR et al., 2018).
  2. Microplásticos: podem trazer sérios impactos a saúde. Portanto, o desenvolvimento de uma nova economia de plástico circular pode ser capaz de desenvolver soluções e oportunidades de forma a resolver alguns desses problemas, com o objetivo de aumentar o fluxo global de materiais com alta eficiência de recursos para criar uma economia de plástico pós-uso eficaz (KAUR et al., 2018).

Cabe ressaltar que os químicos e/ou os engenheiros químicos têm um papel muito relevante nesse processo, pois são eles os profissionais responsáveis pelo desenvolvimento de novas substâncias, consequentemente de novos materiais (fármacos, cosméticos, polímeros, etc.), que visam o aprimoramento da qualidade da vida humana. Urge, contudo, que os profissionais de química aprimorem sua relação com temas da sustentabilidade, ou seja, os conceitos da Química Verde.

Texto produzido pela Câmara Técnica de Meio Ambiente do CRQ-III


Referências Bibliográficas

CHATEL, G. Chemists around the World, Take Your Part in the Circular Economy! Chemistry – A European Journal, v. 26, n. 44, p. 9665–9673, 6 ago. 2020.

FARIAS, L. A.; FÁVARO, D. I. T. Vinte Anos de Química Verde: Consquistas e Desafios. Quim. Nova, v. 34, n. 6, p. 1089–1093, 2011.

KAUR, G. et al. Current Opinion in Green and Sustainable Chemistry. v. 9, p. 30–39, 2018.

SILVESTRI, C. et al. Green chemistry contribution towards more equitable global sustainability and greater circular economy: A systematic literature review. 2021.

WEETMAN, C. Economia Circular: conceitos estratégias para fazer negócios de forma mais inteligente, sustentável e lucrativa. São Paulo: Autêntica Business, 2019.