Nas últimas semanas, acompanhando o noticiário, temos visto, com certa frequência, um triste espetáculo de fogo, que, dada a sua repetição, tende a nos anestesiar a ponto de equivocadamente poder ser considerado um “novo normal”.
Na Grécia, turistas e moradores se refugiaram no mar para escapar das chamas que consumiam casas e hotéis. Na Califórnia, residentes tentaram, em vão, combater o fogo que se aproximava de suas mansões, utilizando baldes e mangueiras. No Brasil, episódios de incêndios no Pantanal, na Amazônia e, mais recentemente, no Estado de São Paulo, se repetem sem parar.
Desde 1896, ouvimos falar de efeito estufa, fenômeno identificado pelo químico sueco Svante Arrhenius, que naquela época já havia concluído que a era industrial movida a carvão iria colaborar para o aumento desse efeito natural. Um século depois, em 1990, o primeiro Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) também já apontava um aumento da temperatura global entre 0,3ºC e 0,6ºC, decorrente da contribuição das emissões provenientes da atividade humana, resultando no aumento do efeito estufa natural, como previsto por Arrhenius.
Nos últimos cinquenta anos, especialistas não deixaram de alertar e nem de tecer previsões acerca das mudanças climáticas e eventos extremos como por exemplo, temperaturas mais altas por longos períodos, secas e ventanias intensas. Porém, talvez, como consequência de um mecanismo de negação, tais previsões parecem ter sido consideradas mais um cenário apocalíptico de um filme de ficção científica.
Com efeito, hoje, essa realidade está batendo à nossa porta. Tempestades de fogo tem causado colunas de fumaça a tal ponto que aeroportos necessitam ser fechados e pessoas precisam de auxílio médico. Os animais fogem, muitos com suas patas queimadas, quando, lamentavelmente, não morrem cercados pelo fogo, carbonizados, junto com bombeiros e voluntários.
Os efeitos das cinzas e fumaças
No fim de agosto, o médico patologista Paulo Saldiva (USP) declarou: “Estamos todos fumando florestas, pastos e canaviais”. Um dos estudos de Saldiva estimou uma sobremortalidade de mais de 130 mil pessoas no Brasil entre 2000 e 2016 apenas por causa da fumaça das queimadas. Mortes que seriam evitáveis se as vítimas não tivessem aspirado a fuligem dos incêndios. As vítimas são principalmente pessoas com mais de 60 anos e crianças de até cinco anos, além daquelas que sofrem de asma, bronquite e outras doenças crônicas do aparelho respiratório.
A fumaça proveniente das queimadas é particularmente insidiosa devido a um componente específico, PM2.5, denominação dada as partículas finas suspensas no ar com diâmetro de até 2,5 micrômetros. De tão pequenas, penetram profundamente nos pulmões e até na corrente sanguínea. O PM2.5 proveniente de queimadas é mais tóxico e tem um impacto maior na mortalidade por doenças respiratórias do que o PM2.5 de outras fontes, como o tráfego urbano.
Entretanto, os impactos das queimadas vão além das fronteiras do fogo, sendo possível encontrar relatos de efeitos há milhares de quilômetros dos locais dos incêndios, como a chuva negra em cidades do Rio Grande do Sul. “O país está coberto por fumaça.” – cita o Portal G1, acrescentando que segundo os meteorologistas, com as correntes de vento, a fumaça deve impactar as capitais do Uruguai e da Argentina.
A presença das cinzas das queimadas também altera a composição química do solo e substâncias presentes nelas atingem e contaminam as águas subterrâneas e superficiais, quando da ocorrência do escoamento superficial após uma chuva. Especialmente, compostos nitrogenados e potássio que se solubilizam na água e, em altas concentrações, se tornam tóxicos às espécies aquáticas e do solo. Segundo pesquisadores da Embrapa, a primeira consequência das cinzas nos ambientes aquáticos é a redução de oxigênio dissolvido na água em ambiente lêntico, ou seja, em água parada como em lagos, açudes, poços e reservatórios. Além disso, as cinzas também provocam aumento de pH, afetando a qualidade da água.
Consequências da desproteção do solo
As queimadas também retiram o material vegetal, deixando o solo desprotegido, mais sujeito à ação do sol e chuva. Em solos desprotegidos, a ocorrência de chuvas fortes favorece o processo de erosão, que leva a camada superficial do solo e seus nutrientes com a água. Outra consequência é a perda de água pela evaporação na camada superficial do solo, decorrente do calor do fogo, podendo ocasionar a compactação de parte do solo. As propriedades físicas do solo como macroporos, tamanho de agregados e taxa de infiltração também são afetados com o calor do fogo. Após a queimada, ocorrem ainda mudanças nestas propriedades, podendo levar ao aumento da densidade do solo na camada superficial. O aumento da densidade dificulta a infiltração da água e penetração das raízes, afetando a umidade e a vida dos microrganismos do solo.
Os organismos do solo também são diretamente afetados pela redução do ar e água presentes no solo, o que seria outro fator negativo. Esses microorganismos são importantes na decomposição da matéria orgânica e ciclagem de nutrientes, além de aumentarem a porosidade, aeração, infiltração e drenagem do solo, devido à movimentação desses organismos no perfil do solo.
A necessidade do controle ambiental
Ainda que vivamos uma estiagem severa no Brasil, autoridades consideram que o grande número de focos de incêndios esteja intimamente ligado às áreas desmatadas, além de também considerarem a hipótese de incêndios criminosos, o que ficou comprovado com a detenção de diversas pessoas e prisões em flagrante. Dentre outras causas recorrentes, temos a negligência, exemplificada por fumantes que lançam bitucas de cigarro no capim seco.
Embora a queimada seja, em regra, proibida no Brasil, o Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) e o Decreto nº 2.661/1998 permitem exceções, como queimadas controladas, que devem seguir pré-requisitos e obter autorização do órgão competente. O artigo 38 do Código Florestal, entretanto, dispõe as exceções para o uso em práticas agropastoris e florestais, em planos de manejo de unidades de conservação e em pesquisa científica. Ainda, o §2º traz a possibilidade da utilização do fogo em agricultura de subsistência realizada por comunidades tradicionais e indígenas. Deste modo, é imprescindível que as responsabilidades sejam apontadas para que tenhamos informações que balizem a necessidade ou não de ajustes na legislação ambiental.
A técnica do aceiro também é uma estratégia para prevenção e combate de incêndios, que consiste em criar uma faixa de solo limpo, livre de vegetação e material combustível, que circunda uma área agrícola ou área de vegetação nativa, formando uma barreira física impedindo a propagação de incêndios. Essa prática é especialmente importante para pequenos produtores e agricultores familiares, que frequentemente têm menos recursos para combater incêndios de grande escala. Como medida preventiva, o aceiro é ainda mais eficaz, estabelecendo uma proteção contínua e antecipada contra a propagação do fogo tanto de fora para dentro quanto de dentro para fora da propriedade, seja em áreas de cultivo, pastagens ou reservas florestais. Além de mitigar perdas econômicas, o uso adequado do aceiro também contribui para a conservação ambiental, prevenindo danos à fauna, à flora e à qualidade do solo. Em situações emergenciais, o aceiro pode ser feito rapidamente para conter focos de incêndio já existentes, servindo como uma ação de contenção imediata para evitar que o fogo avance para áreas sensíveis. No entanto, sua eficiência é maximizada quando planejado e mantido regularmente, levando em consideração as condições climáticas, o tipo de vegetação e as especificidades do terreno, garantindo que a largura e a manutenção do aceiro sejam adequadas para sua função de proteção.
As queimadas, sejam criminosas ou não, causam grandes prejuízos à saúde humana e ambiental, bem como às questões econômicas, tendo em vista os prejuízos diretos em áreas de plantio, impactando toda uma cadeia produtiva e de distribuição. Além de também causarem prejuízos sociais, como, por exemplo, o fechamento de escolas, ou acidentes de trânsito devido à baixa visibilidade nas rodovias por conta da fumaça.
Por fim, é crucial destacar a importância do profissional de meio ambiente frente aos desafios das mudanças climáticas. Além de atuar na responsabilidade técnica, no suporte às empresas relacionadas ao uso da terra e potenciais geradores de incêndios, esse profissional também pode atuar na remediação das consequências ambientais já impostas.
Em suma, os profissionais de meio ambiente tem papel relevante na identificação e efetivação de ações para evitar danos ao meio ambiente, buscando o equilíbrio entre a exploração dos recursos naturais e a conservação do planeta.
Referências:
Casemiro, P. Fumaça de incêndios cobre o céu do Brasil e pode chegar à Argentina e ao Uruguai. g1, 2024. Disponível em: < https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2024/09/09/fumaca-de-incendios-na-amazonia-cobre-o-ceu-do-brasil-e-pode-chegar-a-argentina-e-ao-uruguai.ghtml >.
Pesquisa comprova efeitos danosos das cinzas das queimadas. Sociedade Nacional de Agricultura, 2019. Disponível em: <https://sna.agr.br/pesquisa-comprova-efeitos-danosos-das-cinzas-das-queimadas/ >.
Sobe para 17 o número de presos envolvidos em incêndios de vegetação em SP. Band.com.br, 2024. Disponível em: <https://www.band.uol.com.br/noticias/bora-brasil/ultimas/presos-incendios-de-vegetacao-em-sp-202409111034 >.
Toledo, J. R., Bilenky, T., Toledo, L. F. Tatuando pulmões com fumaça de florestas e canaviais. Uol Notícias, 2024. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/colunas/a-hora/2024/08/31/tatuando-pulmoes-com-fumaca-de-florestas-e-canaviais.htm>.
Uma cronologia da mudança climática no mundo. BBC News Brasil, 2013. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/09/130927_cronologia_mudancas_climaticas>.