Nota Técnica Científica sobre a concentração de etanol em algumas marcas de pães de forma produzidos no Brasil

A Câmara Técnica de Alimentos e Bebidas (CTAB) do CRQ-III divulga Nota Técnica Científica sobre a concentração de álcool etílico (etanol) em algumas marcas de pães de forma produzidos no Brasil. O documento visa esclarecer as questões químicas envolvidas, comparar com outros alimentos que contêm álcool e fornecer um contexto para a compreensão do impacto desse achado, além de discutir a necessidade de regulamentação específica para o teor de álcool em pães de forma.

Leia a nota na íntegra, abaixo:

Nota Técnica Científica sobre a Concentração de Álcool Etílico em Pães de Forma no Brasil

Autoria: membros da CTAB

Introdução

Recentemente, foi reportado, pelo órgão Proteste, que a concentração de álcool etílico (etanol) em algumas marcas de pães de forma produzidos no Brasil excedeu o limite para rotulagem de álcool. Esta situação suscita preocupações tanto do ponto de vista da segurança alimentar quanto da conformidade com as normas estabelecidas. Este documento visa esclarecer as questões químicas envolvidas, comparar com outros alimentos que contêm álcool e fornecer um contexto para a compreensão do impacto desse achado, além de discutir a necessidade de regulamentação específica para o teor de álcool em pães de forma.

O etanol nos alimentos

O etanol é uma substância naturalmente presente em diversos processos de fermentação, sendo comum em alimentos e bebidas. Durante a fabricação de pães, leveduras são utilizadas para fermentar açúcares presentes na massa. Este processo produz etanol e dióxido de carbono, responsáveis pelo crescimento da massa e pela textura leve e aerada do pão.

A maior parte do álcool produzido evapora durante o processo de cozimento. No entanto, quantidades residuais de etanol permanecem no produto, devido à formação de uma mistura azeotrópica entre etanol e água. Isso significa que enquanto houver água presente, haverá também etanol. Portanto, mesmo com o calor de cozimento, sempre restará alguma concentração de etanol no produto. Geralmente, essa quantidade fica abaixo do valor que a legislação obriga a reportar no caso de bebidas, que é de 0,5 % (v/v). No entanto, o uso elevado de agentes conservantes antimofo que são diluídos no etanol e aspergidos no produto pronto pode interferir na concentração final de etanol, que pode exceder esse limite.

Limites regulamentares e segurança alimentar

Atualmente, no Brasil, não existe uma regulamentação específica que limite a quantidade de álcool etílico em pães de forma. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) define que bebidas com teor alcoólico acima de 0,5 % (v/v) devem informar essa presença no rótulo. A descoberta de níveis acima desse valor em pães de forma aponta para a necessidade de regulamentação específica para esse produto e outros alimentos, assegurando que os consumidores estejam devidamente informados e protegidos. Além de servir como alerta para uma análise crítica das análises estabelecidas no controle de qualidade dos produtos, sendo necessário avaliar se o controle estabelecido pela empresa é suficiente para garantir a qualidade do produto e a saúde do consumidor.

A ANVISA, na Resolução n.° 383, de 5 agosto de 1999, aprova o uso de aditivos alimentares, estabelecendo suas funções e seus limites máximos para a categoria de alimentos de produtos de panificação e biscoitos. De um modo geral, os conservantes antimofo utilizados na panificação, como por exemplo o propionato de cálcio, são considerados aditivos utilizados segundo as boas práticas de fabricação. Neste caso possui a Ingestão Diária Aceitável como “não especificada”, o seu uso está limitado à quantidade necessária para obter o efeito tecnológico desejado.     

Concorrência desleal e impacto no mercado

A adição elevada de conservantes pode criar uma concorrência desleal entre as marcas. Ao prolongar significativamente o prazo de validade do produto, essas marcas obtêm uma vantagem competitiva ao atrair consumidores que preferem produtos com maior durabilidade. Isso pode levar os consumidores a optarem por essa marca em detrimento de outra que ofereça um produto mais natural e com prazo de validade mais curto. A prática de usar conservantes em excesso para aumentar a durabilidade, sem informar adequadamente o consumidor sobre a presença de álcool, é uma questão ética e de transparência que deve ser abordada.

Comparação com outros alimentos contendo álcool

Diversos alimentos e bebidas consumidos regularmente contêm etanol, seja como parte do processo de produção ou como ingrediente intencional:

  • Bombons de Licor: contêm álcool adicionado diretamente como parte do recheio, com concentrações variadas, dependendo da receita e do tipo de licor utilizado. Essa adição de álcool é apenas informada junto aos ingredientes, não informada a quantidade presente no alimento e também não consta na tabela nutricional.
  • Pratos flambados: pratos como crepes Suzette e carnes flambadas utilizam álcool (geralmente conhaque ou rum) que é aceso, resultando em uma combustão parcial do álcool. Devido à formação de uma mistura azeotrópica entre etanol e água, quantidades residuais de álcool sempre permanecem no alimento.
  • Fermentação de frutas e vegetais: produtos fermentados como chucrute, kimchi e certas bebidas à base de frutas (kombucha) podem conter traços de álcool devido à fermentação natural.
  • Bebidas alcoólicas: obviamente, cervejas, vinhos e destilados contêm quantidades significativas de álcool etílico.

Implicações para o consumidor

O consumo de etanol por meio de pães de forma, mesmo acima do limite para rotulagem, é geralmente baixo em comparação com o consumo direto de bebidas alcoólicas ou alimentos preparados com grandes quantidades de álcool. No entanto, para indivíduos com restrições ao consumo de álcool, como crianças, grávidas, lactantes ou pessoas em recuperação de alcoolismo, a presença de álcool, mesmo em pequenas quantidades, pode ser preocupante. Além disso, a exposição ao álcool durante a gravidez pode contribuir para a síndrome alcoólica fetal, uma condição grave que pode causar defeitos congênitos e problemas de desenvolvimento.

Detecção do álcool em etilômetros

            Os etilômetros, também conhecidos como bafômetros, são dispositivos utilizados para medir a concentração de álcool no ar exalado e são comumente empregados em operações de fiscalização de trânsito. A presença de álcool em alimentos pode afetar temporariamente os resultados desses testes.

Quando uma pessoa consome alimentos que contêm álcool, como pães de forma com alta concentração de etanol, a quantidade de álcool detectável na respiração pode aumentar momentaneamente. No entanto, há uma diferença significativa entre o álcool presente na corrente sanguínea e o álcool que permanece na cavidade oral após a digestão.

O álcool na corrente sanguínea é absorvido pelo trato gastrointestinal e distribuído pelo corpo, influenciando diretamente a concentração de álcool que o etilômetro pode detectar de forma mais precisa, principalmente com relação à ingestão de bebidas alcoólicas. Por outro lado, o álcool que permanece na boca após a ingestão de alimentos é rapidamente metabolizado ou dissipado. Isso pode causar um pico temporário nos resultados do etilômetro, mas não reflete a quantidade de álcool absorvido pelo corpo.

Portanto, para garantir a precisão dos testes de etilômetro, recomenda-se que os indivíduos aguardem um período após consumir alimentos contendo álcool antes de realizar o teste, geralmente não mais que 10 minutos. Esse tempo permite que qualquer álcool residual na boca seja eliminado, proporcionando uma leitura mais precisa da concentração de álcool no sangue.

Conclusão e recomendações

A descoberta de níveis elevados de álcool etílico em pães de forma no Brasil destaca a importância de rigorosos controles de qualidade na indústria alimentícia. Recomenda-se que os fabricantes revisem seus processos de fermentação, cozimento, e adição de conservantes para garantir que os níveis de etanol sejam mantidos dentro de limites aceitáveis. Além disso, é crucial estabelecer uma regulamentação específica para o teor de álcool em pães de forma, assegurando que os consumidores estejam devidamente informados. A rotulagem adequada deve ser obrigatória para produtos com teores de álcool acima de 0,5 % (v/v).

Adicionalmente, é fundamental aumentar a transparência e a comunicação com os consumidores sobre a presença de álcool em alimentos, valendo inclusive para restaurantes que têm em seus cardápios pratos que envolvam o processo de flambagem com bebidas alcoólicas. A prática de adicionar conservantes em excesso para prolongar a durabilidade de produtos também deve ser revisada para garantir uma concorrência justa no mercado e proteger os direitos dos consumidores.

No entanto, o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) de Goiás postou um vídeo em que diz que após comer duas fatias de pão, de uma das marcas citadas no teste da Proteste, o índice apurado no equipamento do Detran foi de 0,12 miligramas por litro de ar expelido (mg/litro de ar). Sendo que pela legislação na “LEI SECA” a multa é gerada a partir de 0,05 mg de etanol por litro de ar expelido. Esse vídeo circulou na internet e “viralizou” pela população por achar ser de uma fonte confiável de informação. Após críticas foi feito um segundo vídeo explicando que após 3 minutos o álcool já não era mais detectado no teste do etilômetro. Apesar disso, o primeiro vídeo não foi excluído e o segundo vídeo não veio em forma de retratação, como também não foi abordado o método científico, metodologia, amostragem, grupo amostral foram ignorados e, dessa forma, o teste não tinha nenhum embasamento científico.

Referências

1. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). “Resolução RDC nº 24, de 15 de junho de 2015.” Disponível em: [ANVISA](http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/RDC_24_2015_COMP.pdf/).

2. Smith, J.P., Daifas, D.P., El-Khoury, W., Koukoutsis, J., & El-Khoury, A. (2004). “Shelf Life and Safety Concerns of Bakery Products—A Review.” Critical Reviews in Food Science and Nutrition, 44(1), 19-55. DOI: [10.1080/10408690490263774](https://doi.org/10.1080/10408690490263774).

3. European Food Safety Authority (EFSA). “Scientific Opinion on the Safety of Alcohol in Chocolates.” EFSA Journal, 9(6), 2250. DOI: [10.2903/j.efsa.2011.2250](https://doi.org/10.2903/j.efsa.2011.2250).

4. McGee, H. (2004). “On Food and Cooking: The Science and Lore of the Kitchen.” Scribner. ISBN: 978-0684800011.

5. Tamang, J.P., Watanabe, K., & Holzapfel, W.H. (2016). “Review: Diversity of Microorganisms in Global Fermented Foods and Beverages.” Frontiers in Microbiology, 7, 377. DOI: [10.3389/fmicb.2016.00377](https://doi.org/10.3389/fmicb.2016.00377).

6. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). “Alcohol Use in Pregnancy.” Disponível em: [CDC](https://www.cdc.gov/ncbddd/fasd/alcohol-use.html).

7. American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). “Alcohol and Women: An Overview.” Disponível em: [ACOG](https://www.acog.org/womens-health/faqs/alcohol-and-women-an-overview).

8. Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN): O DENATRAN é responsável pela regulamentação e fiscalização do uso de etilômetros no Brasil.

DENATRAN: “Resolução Nº 432, de 23 de Janeiro de 2013”

9. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). “Resolução nº 383, de 5 agosto de 1999. ” Disponível em: [ANVISA] (https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/1999/res0383_05_08_1999.html).

10. Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (DETRAN-GO). Página do instagram: (https://www.instagram.com/detrangoias)