O que aprendemos da VALE em Brumadinho?

O acidente da VALE em Brumadinho ocorrido em 25/01/19 ganhou destaque no cenário nacional e internacional e já é considerado o maior acidente de trabalho da história do Brasil em comparação ao último maior acidente com grande fatalidade de funcionários, o desabamento de um galpão em Belo Horizonte em 1971 que deixou 69 mortos. Também não é primeira vez que o Brasil vive esse cenário de tragédia ambiental. O último acidente de mesma natureza foi a ruptura da barragem de Fundão em Mariana em 2015. Em ambos os casos, a empresa VALE é a responsável pelas barragens: a de Mariana pertence a Samarco e metade de suas ações pertence a VALE e a outra metade pertence à anglo-australiana BHP Billiton.

O acidente no córrego do Feijão, distrito de Brumadinho, traz muitas reflexões sobre os problemas encontrados no que diz respeito a governança ambiental, ao gerenciamento de risco de barragens e o cumprimento de legislações já existentes. Acredita-se que é preciso haver uma maior integração entre os níveis regional e nacional nas tomadas de decisão, com trabalhos menos fragmentados, mais coerentes e pautados na sustentabilidade ambiental. A responsabilidade pela fiscalização de barragens de rejeitos de mineração é do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do Ministério de Minas e Energia. Entretanto, enfatiza-se que o empreendedor deve ser responsável pelo monitoramento e fiscalização de suas instalações, que devem ser feitos por profissionais registrados nos respectivos conselhos profissionais, cabendo-lhe a responsabilidade e os custos decorrentes.

Muito se fala das várias inspeções realizadas previamente na barragem Córrego do Feijão, além de ter sido classificada como de “baixo risco e alto dano potencial associado”, de acordo com critérios da Resolução CNRH 143 de 2012 e essa mesma barragem obteve uma licença ambiental do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) para a retirada do rejeito e recuperação da área. Está claro que medidas estavam sendo tomadas em relação à barragem, mas não foram suficientes para impedir uma catástrofe.

Acredita-se que a fiscalização ambiental, da forma como é realizada hoje, não traz efetividade. É preciso potencializar, valorizar e aperfeiçoar a fiscalização técnica ambiental. As avaliações do licenciamento precisam ser mais técnicas, de forma que as responsabilidades estabelecidas sejam efetivamente cobradas, tanto das empresas, quanto das consultorias e do próprio órgão ambiental. É importante conscientizar sobre a grande responsabilidade dos profissionais que realizam estudos de viabilidade do licenciamento ambiental. O responsável por esses estudos emite uma ART de responsabilidade e é nela que o órgão ambiental se baseia para liberação do empreendimento. Assim, a responsabilidade é tanto do profissional quanto do empreendedor, salvo se o órgão ambiental liberar o licenciamento sem constar, nos relatórios e estudos, as mínimas condições de operação da atividade. A lei 9605/98 deixa claro que pratica crime ambiental tanto quem causa poluição quanto quem concorre para a sua prática, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixa de impedir quando podia agir para evitá-la.

Considera-se ainda a falta de responsabilidade no cumprimento da atual Política Nacional de Segurança de Barragens – Lei 12.334/10, bem como as Resoluções CNRH 143 e 144 de 2012 e a Norma Regulamentadora n022 do MTE, que trata de Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração. Importante observar o que cita a NR-22: que os depósitos, barragens e áreas de armazenamento devem ser construídos em observância aos estudos hidrogeológicos e, ainda, atender às normas ambientais, às normas reguladoras de mineração e às especificações das normas técnicas da ABNT aplicáveis, especialmente a NBR 11682 e suas alterações e, ainda, preconiza que nas situações de risco grave e iminente de ruptura de barragens, as áreas de risco devem ser evacuadas, isoladas, a evolução do processo monitorado e todo o pessoal potencialmente afetado deve ser informado, bem como devem ser priorizadas as medidas preventivas.

Entretanto, alguns especialistas salientam que houve erro em relação ao estudo de risco da barragem, uma vez que tanto o prédio administrativo como o refeitório da mina estavam bem próximos da zona de um cenário de inundação.

Outro ponto importante é a efetiva participação dos químicos nos estudos, avaliação e apresentação de métodos e soluções para reciclar os rejeitos industriais. Muito se enfatiza os aspectos físicos de ruptura das barragens e escoamento dos rejeitos, mas nada se fala dos efeitos químicos presentes em jazidas e barragens de mineração. É frequente encontrar produtos químicos orgânicos nas partículas minerais desses rejeitos oriundos dos processos de flotação e floculação/coagulação, o que possibilita a geração de biogás nas barragens. Além disso, esses rejeitos podem estar estabilizados, mas não necessariamente inertes quimicamente. Nesse sentido, o que o Brasil fará com mais de 700 barragens de rejeitos de mineração sem a atuação dos químicos? Certamente é um contrassenso.

Acreditamos que há muitas responsabilidades para serem apuradas pela Justiça, contudo muitas lições também devem ser aprendidas nessa tragédia. Muita destruição foi causada ao meio ambiente, ainda é difícil de mensurar todos os danos, mas já se sabe que o rio Paraopeba foi atingido, causando a morte dos organismos ali encontrados e contaminando o solo e o sistema hídrico da região. A imagem e a saúde financeira da empresa também foram afetadas, e isso mostra que focar apenas no lucro, sem a efetiva implementação sustentável das atividades industriais, causa sérias consequências para a sociedade e para o empreendedor. É preciso ainda lembrar sobre a pesquisa de beneficiamento do rejeito de minério para outros fins, podendo tornar-se atrativo do ponto de vista comercial, uma vez que esse material pode servir de insumo em outros processos produtivos.

Câmara Técnica de Meio Ambiente – CRQ-III