Os atuais desafios ambientais do plástico

É inegável que existem diversos benefícios trazidos pelo plástico à sociedade. Não é à toa que o seu uso cresceu exponencialmente nos últimos anos, com maiores demandas no setor de embalagens. Nesse contexto, uma preocupação ambiental mais recente se desenha quando os plásticos vão parar no fundo dos oceanos. Para se ter ideia da dimensão do problema, uma das crateras oceânicas mais profundas de todo o planeta virou um depósito de plástico, onde vários desses foram identificados a quilômetros no fundo do mar e boiando nas Fossas das Marianas, no oeste do Pacífico. Esse é um dos vários desafios ambientais e, dentre tantos motivos relevantes, podemos citar o uso expressivo de plásticos descartáveis e não biodegradáveis, a ineficácia da atuação do poder público, a política ineficiente de logística reversa e a problemática dos microplásticos como elemento marcante.

Plástico é um termo geral que se refere a uma família de polímeros derivados de fontes de petróleo, incluindo policloreto de vinila (PVC), nylon, polietileno (PE), poliestireno (PS) e polipropileno (PP). Os mais comuns são PP, PE, polietileno de baixa densidade (LDPE) e poliacrilatos. Há também diferentes polímeros que podem ser leves, neutros ou pesados, dependendo da composição, densidade e formato. PP e PE são tipicamente plásticos de baixa densidade que espera que sejam relativamente flutuantes, enquanto PVC, PS, poliéster e poliamida são considerados plásticos de alta densidade que são mais prováveis afundar nos oceanos.

Segundo a ONU Meio Ambiente, a poluição plástica revela ser um dos maiores desafios ambientais da atualidade. Só na última década foi produzido mais plástico do que em todo o século passado e, estima-se que, pelo menos, 8 milhões de toneladas vão parar nos oceanos todos os anos. Devido à grande variedade de plásticos descartáveis e não biodegradáveis, o problema só se intensifica, já que o plástico pode permanecer por muitos anos e ameaçar a vida marinha nesses ecossistemas. Nesse sentido, revela-se a importância de se pensar em novos materiais plásticos que acarretarão em oportunidades de investimentos em inovação nesse setor.

De acordo com estimativas de Jambeck (et al., 2015), o Brasil está inserido no grupo dos 20 (vinte) principais países que fazem má gestão de resíduos plásticos no mundo e que, portanto, contribuem com significativas parcelas de plásticos desperdiçados nos oceanos. A situação brasileira atual nos faz inferir sobre a importância desse tema para o contexto político nacional, por se tratar de um país costeiro e que assumiu em junho de 2017 um compromisso voluntário durante a Conferência dos Oceanos nas Nações Unidas, objetivando até 2025, prevenir e reduzir significativamente a poluição marinha de todos os tipos.

É importante observar a receptividade do Brasil em assumir compromissos internacionais, mas que nem sempre se traduzem em políticas nacionais satisfatórias. Os compromissos internacionais são importantes balizadores para a elaboração das normas internas e que devem ser encarados como instrumentos relevantes para avocar compromissos normativos esquecidos pelo governo brasileiro. É preciso lembrar que é competência de todos os entes federativos proteger o meio ambiente, controlar e combater a poluição em qualquer de suas formas. Além disso, por se tratar de tema ambiental e que, portanto, é difuso e coletivo, regido pelo direito público, o poder público deve necessariamente se aproximar do interesse coletivo para se estabelecer a legitimidade de suas ações, devendo estar atento às ações lesivas ao meio ambiente no que concerne, em alguns casos, a sua omissão, a inobservância do princípio constitucional da eficiência durante a prestação de seus serviços e a ineficácia em legislar adequadamente sobre certos temas.

Apesar da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estar em vigor desde 2010, por meio da Lei 12305, alguns dos princípios norteadores não foram efetivamente implementados, seja pela fraca visão sistêmica da gestão e ecoeficiência, inobservância da responsabilidade compartilhada ou pelo fraco desenvolvimento sustentável das ações. A falta de regramento específico sobre a logística reversa, por meio dos acordos setoriais, pode ter dificultado o maior cumprimento das obrigações. É inevitável considerar que, na prática, essa política acabou priorizando o aterro sanitário em detrimento de alternativas mais competitivas. Apesar disso, ainda sim seria benéfico para o país se esse caminho tivesse sido efetivamente implementado. Evidência disso é que mesmo depois de decorridos 8 (oito) anos, a maioria dos municípios brasileiros ainda não possui aterro sanitário e descarta seus resíduos em lixões, terrenos baldios e corpos hídricos, e não há perspectivas que os aterros sanitários venham a ser a solução. O governo pouco investe em saneamento básico, onde a coleta, o tratamento e a destinação final do lixo urbano representa grande parte desse problema. Complementa-se, ainda, que o PNRS preconiza estratégias de gestão de resíduos e impõe o sistema de logística reversa, destacando-se a importância de se levar em consideração o ciclo de vida dos produtos bem como incentivando o reuso e a reciclagem de materiais. No contexto do plástico, devido à sua grande variedade no mercado e do grande volume descartado, a gestão é complexa por causa da presença dos aditivos utilizados na fabricação.

O governo do Estado do Rio de Janeiro, visando reduzir o consumo de alguns plásticos, dispôs sobre o uso prioritário de reutilizáveis e biodegradáveis, por meio da Lei 7957/18, onde os estabelecimentos comerciais deverão dar prioridade ao uso de canudos e copos reutilizáveis ou fabricados com produtos biodegradáveis, em substituição aos descartáveis de material plástico comum. Portanto, evidencia-se que a primeira recomendação da hierarquia de gestão de resíduos foi adotada, substituindo o descartável pelo biodegradável quando possível.

É importante lembrar que a hierarquia de gestão de resíduos também engloba o reuso e a reciclagem. No que diz respeito ao reuso de materiais plásticos, é preciso levar em consideração a durabilidade e resistência das resinas, dependendo, portanto, do tipo de polímero usado. A reutilização de plásticos pode ser feita de diversas maneiras e para os mais diversos fins. Entretanto, após diversos ciclos de uso, os materiais plásticos começam a degradar-se e já não são úteis, devendo ser reprocessados.

Considerando a reciclagem de materiais plásticos, apontada de forma crescente como opção de destinação cada vez mais utilizada no pós-consumo, requer se fazer a escolha do tipo mais adequado. A reciclagem mais utilizada é a mecânica, porém só pode ser realizada em produtos que contenham apenas um tipo de resina (só poliestireno ou só polipropileno, por exemplo), ou seja, quanto mais misturado e contaminado for o resíduo mais difícil será reciclá-lo mecanicamente. Dessa forma, é essencial a separação do material plástico previamente à coleta. Já quando há diversas resinas misturadas, a reciclagem química é a recomendada. Nessa reciclagem, pouco conhecida no Brasil, o método de tratamento dos rejeitos pós-consumo se dá por intermédio de processos termoquímicos, de transformação química ou biológica, onde permitem a obtenção de novas substâncias químicas que podem ser reincorporadas à cadeia produtiva, e o tipo de processo utilizado dependerá do material a ser reciclado. Ressalta-se, nesse caso, que os plásticos reciclados quimicamente devem ser regulados, pois as empresas recicladoras devem prover informações sobre os tipos de químicos incluídos em seus processos. A exemplo do que é feito na Europa, os recicladores de plástico devem registrar os produtos químicos utilizados na base de dados da Agência Européia de Químicos, visando diminuir os níveis de poluição e aumentar a segurança em relação ao uso de químicos perigosos.

Já não bastasse o acúmulo continuado de macroplásticos no fundo dos oceanos promovida pela má gestão dos resíduos, há atualmente uma outra crescente preocupação sobre a degradação do plástico, no que diz respeito a conversão de macroplástico em microplástico.

Quando se fala de macroplásticos, o conhecimento é vasto devido ao seu alto poder calorífico, versatilidade e resistência, devem ser tratados como matéria-prima pós-consumo e não como resíduos. Ressalta-se, contudo, que a atenção também tem se voltado para os microplásticos, aqueles com tamanhos inferiores a 5 milímetros e que são incontestavelmente mais perigosos porque além de contaminarem o habitat marinho, podem chegar as diversas cadeias alimentares. Sabe-se que pelo fato da degradação plástica ser microdimensionada, onde os fragmentos podem sofrer maior ou menor degradação, os microplásticos podem ser encontrados em uma ampla gama de habitats marinhos e decorrem dos mais diversos materiais, partículas das mais variadas fontes, que incluem microesferas utilizadas em produtos cosméticos, produtos de higiene pessoal, produtos de limpeza industrial, pellets que são utilizados como matéria prima para indústrias de produtos plásticos, fibras de roupas e tecidos sintéticos, fibras de linhas de pesca, partículas derivadas da degradação de macroplásticos, filtro de cigarro, fragmentos de pneus, etc. Devido ao seu reduzido tamanho, os microplásticos são biodisponíveis para ingestão por uma variedade de seres marinhos, podendo afetar diretamente a base da cadeia alimentar, incluindo zooplâncton, invertebrados marinhos, peixes, aves marinhas e mamíferos marinhos. Uma vez ingeridos, os microplásticos podem causar bloqueio do sistema digestivo, alteração das reservas de energia e danos fisiológicos.

Como se vê, o tema é extenso e não há pretensão de esgotá-lo aqui. É preciso admitir que é fundamental transformar hábitos diários da população, já que inevitavelmente acarretará na poluição da natureza, mesmo quando essa está bem distante das cadeias de produção e do consumo desse material. Todos reconhecem que a causa da preservação é nobre, mas é preciso maiores incentivos às soluções sustentáveis para os plásticos pós-consumo e maior seriedade da atuação do poder público, não esquecendo, contudo, que o foco deve estar na inovação dos materiais plásticos e maior controle de microplásticos na medida em que a maioria das estações de tratamento de água e esgoto não são projetadas para remover totalmente os microplásticos o que acabam também sendo liberados no meio ambiente. É consenso que todos devem estar preparados para o desenvolvimento sustentável, em especial o profissional da química que tem um papel relevante na área ambiental, reconhecendo, sobretudo, que esse caminho insere novos valores no ambiente competitivo dos negócios e na agenda política brasileira; valores não apenas necessários, mas antes disso, estratégicos.

Michelle Ramos Cavalcante Fortunato

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